Em nossos treinamentos é comum os alunos perguntarem como a prática de mindfulness leva ao autoconhecimento. Para responder essa questão, gosto de começar com uma pequena história envolvendo dois dos maiores especialistas do assunto.
Daniel Siegel¹ conta que pediu para os neurocientistas mais conceituados do mundo darem uma definição da mente e constatou que simplesmente não existe uma boa definição.
Ele conta também que, numa reunião com seus colegas, iniciou a conversa com a pergunta: “Quem é capaz de explicar exatamente como a mente funciona?” E a resposta veio rápida por parte de Richard Davidson²: “Nenhum de nós!” O grupo todo deu risada e começou a reunião.
Apesar de todo conhecimento que a neurociência já tem do cérebro e do sistema nervoso, os principais neurocientistas do mundo concordam que ainda não sabemos exatamente como a mente funciona e nem temos uma boa definição para ela.
Mindfulness como auto-observação
O que sabemos é que nós somos mais abrangentes que os pensamentos e as emoções, podemos estar conscientes dos pensamentos e emoções. Com a prática da atenção plena, podemos desenvolver uma visão da mente, podemos nos familiarizar com ela.
Quando escolhemos prestar atenção nos nossos pensamentos, emoções e sensações, escolhemos praticar a forma mais avançada de autoconhecimento. Desenvolvemos a capacidade de observar a nossa mente em funcionamento sem nos identificarmos com os pensamentos. É a postura da testemunha fiel, que percebe os pensamentos e emoções como eventos mentais.
Para promover essa investigação, além da intenção, precisamos desenvolver a atitude correta: Sabendo que é da natureza da mente produzir todo tipo de pensamento, não precisamos ficar nos punindo pela qualidade deles. Imagine uma máquina que, colocada na nossa cabeça, fosse capaz de ler nossos pensamentos e anunciá-los em voz alta. O que iria acontecer? Iríamos morrer de vergonha. Todos nós somos “presenteados” com pensamentos de todos os tipos, positivos, negativos, saudáveis, esdrúxulos e etc.
Não temos controle sobre a qualidade dos pensamentos que surgem, mas temos controle sobre o que vem depois. Ou seja, podemos responder não nos identificando com eles e escolhendo para quais vamos dar atenção e quais vamos deixar ir embora.
Mindfulness como autoinvestigação
Ao longo do tempo, inconscientemente desenvolvemos padrões de pensamentos que acabam determinando nossas ações. Existem muitos nomes diferentes para esses padrões: condicionamentos inconscientes, crenças limitantes, formações mentais, impurezas e etc. O que podemos fazer através da prática da atenção plena, é trazer esses padrões de pensamentos para a nossa consciência, simplesmente observando-os no momento que eles surgem. Sim é possível! Com a prática regular, atingimos um estado mental de quietude e clareza, que possibilita nos tornarmos conscientes desses condicionamentos. Sob a nossa atenção penetrante, serena e bondosa, muitas dessas formações simplesmente se dissipam. Nós nos libertamos delas. Isto é um processo contínuo com idas e vindas, mas a tendência é positiva no sentido de nos familiarizarmos com nossos condicionamentos e não permitir que eles ditem o nosso comportamento.
O principal ganho com o autoconhecimento é a criação de hábitos mentais saudáveis e a nossa libertação dos padrões negativos de comportamento.
(1) Daniel Siegel é médico formado pela Universidade de Harvard, é atualmente professor de psiquiatria na Escola de Medicina da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) onde é também diretor cofundador do Centro de Pesquisa da Atenção Plena (Mindful Awareness Research Center).
(2) Richard Davidson, professor de psicologia e psiquiatria na Universidade de Wisconsin-Madison nos Estados Unidos, fundador do Centro para Mentes Saudáveis (Center for Healthy Minds), é Ph.D. em psicologia pela Universidade de Harvard e um dos maiores pesquisadores dedicados à neurociência e à mindfulness.